quinta-feira, 22 de outubro de 2015

LINGUAGEM: "Necrópsia" ou "necropsia"? (Ou "O Samba do Crioulo Doido")

A morte (ainda envolta em mistério) de Fernando Dutra Pinto, sequestrador de Patrícia Abravanel, trouxe à tona uma das tantas palavrinhas cuja prosódia é tormentosa. Afinal, o exame no cadáver é "necrópsia" ou "necropsia"? Ou é "autópsia"? Ou será "autopsia"? Nas últimas semanas, recebi muitas perguntas de leitores a respeito disso.As pessoas querem respostas que, muitas vezes, não há, ou, quando as há, não convencem. Não custa tentar, no entanto. Sabe qual é o primeiro sentido que os dicionários dão para "autópsia"? O óbvio: "Exame de si mesmo" ("Aurélio"); "Exame, inspeção de si próprio" ("Houaiss").Por que "óbvio"? Porque o elemento grego "auto" significa "por si próprio", "de si mesmo"; "-opsia", também grego, tem, entre outros, o significado de "exame visual". Como se vê, em termos literais a autópsia é o exame que alguém faz em si mesmo.No verbete "autópsia", a segunda definição do "Aurélio" é "necropsia", precedida destas abreviaturas: "Med. Imp."

Tradução: segundo o "Aurélio", trata-se de termo médico, usado impropriamente. Apesar de impróprio, o termo "autópsia" está consagrado pelo uso, fator importante quando se trata de língua.Bem, e por que é impróprio? Porque, como os mortos não se examinam, o termo próprio é "necr...". É "necropsia", sem acento, de acordo com o "Aurélio", o "Houaiss" e o "Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa", da Academia Brasileira de Letras.  Vamos repetir: "necropsia", que se lê "necropsía". Isso mesmo: lê-se o grupo final como se lê o de "Maria", "tardia", "alergia" etc.

E a forma "necrópsia", ouvidíssima diariamente? Que dizem dela os dicionários? Vejamos antes uma "prima": "biopsia" (ou será "biópsia"?). O "Houaiss", o "Aurélio" e o "Vocabulário" registram as duas. Em "biopsia", o "Aurélio" diz que "a pronúncia corrente é biópsia". O "Houaiss" diz que "biopsia" é mais correta e menos usada do que "biópsia".

No verbete em que explica os valores do elemento pospositivo "-ópsia", o "Houaiss" diz que a origem grega preconiza a tonicidade no "i", "mas, uma vez formada autópsia", esta serviu de base para variação, nem sempre regular, entre "-ópsia" e "-opsia".

Em seguida, vêm alguns exemplos, entre eles "necrópsia". Sim, "necrópsia" (com acento), forma que, nessa monumental (repito: monumental) obra, também aparece neste trecho do verbete "biópsia": "Constituída no modelo de necrópsia e de autópsia, a palavra segue no português o padrão fônico das outras duas, com reflexo na grafia, daí biópsia".Até aí, tudo bem, mas, se você voltar ao sexto parágrafo deste texto, verá que o "Houaiss" não registra o verbete "necrópsia"; só registra "necropsia".O querido amigo Mauro Villar, lexicógrafo responsável pelo grandioso "Houaiss", sempre me pede que anote os problemas que encontrar no dicionário. Homem maduro e livre de afetações típicas de falsos intelectuais, Villar sabe que não existe livro perfeito.

Lá vai mais uma modesta contribuição, caro Villar. E, se me permite, sugiro que incorpore o verbete "necrópsia", com as mesmas observações que há em "biopsia" e "biópsia". É isso.

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