sábado, 31 de maio de 2014

Professor questiona o nome “Rua 13”

A mais conhecida avenida de nossa cidade, a popular Rua 13, está no centro do questionamento que o professor Ronaldo Lima da Cruz faz por meio de artigo que publica aqui em tabuonline.

Mestre em História Social pela Unesp, São Paulo, ele se reporta a aspectos da escravatura em Canavieiras e a aquilo que seria - diz ele -, um esforço do poder público de mudar o nome de Rua 13 de Maio para Av. Otávio Mangabeira (um trecho) e Cel. Augusto Luiz de Carvalho (outro trecho).

A 13 de Maio e os diversos ecos de liberdade

Sabemos que lembrar e esquecer são ações que implicam em seleção de informações, o que significa dizer que não há memória sem esquecimento. Sendo a memória coletiva uma construção social e um fator de identidade de uma comunidade, então, como viver com esquecimentos impostos? Entendo que o esquecimento pode ser uma opção de restringir ao essencial certos fatos ou informações a respeito deles, mas também pode ser o resultado de uma ação deliberada de ocultamento.

Canavieiras, assim como parcela considerável das urbes brasileiras, possuem vários logradouros nominados a partir de eventos ou “personalidades marcantes” da história. A Rua 13 de Maio é uma delas, mas que permanece como uma incógnita até os dias de hoje. Muda-se o nome da avenida, passam épocas, exacerbam-se memorialisticamente em denominar parte do trajeto de Av. Otávio Mangabeira e sua outra metade de Cel. Augusto Luiz de Carvalho - antigamente Rua dos Artistas -, mas a população teima em denominá-la de Rua 13.

Para o povo, é uma das mais importantes avenidas, mas muitos ignoram que foi nessa mesma localidade que ex-escravos festejaram e deram gritos de liberdade durante os dias que se seguiram ao dia 13 de maio de 1888. Isso mesmo, aqui a notícia da abolição da escravatura chegou, foi comemorado, e os filhos e netos de africanos nos legaram e imprimiram na memória coletiva o nome do local como referência à liberdade duramente conquistada. Não foi em vão que o poder público municipal tentou, e ainda tenta apagar essa memória.

Ao afirmar que a liberdade foi conquistada pelos escravizados e não oferecida por “princesa” alguma, levo em consideração histórias como a do escravizado Lourenço, que passamos a narrar neste momento.

De acordo com o Recenseamento de 1872, existia na cidade de Canavieiras 189 (cento e oitenta e nove) escravizados, e parcela considerável era formada por homens em idade produtiva, empregados em sua grande maioria na lavoura cacaueira. Nunca poderíamos precisar em que condições viveram esses homens e mulheres, mas alguns registros documentais nos possibilitam fazer algumas arguições sobre as expectativas de liberdade, a luta, e o esforço cotidiano de manter-se na condição de ser humano perante uma sociedade racista, preconceituosa, excludente e escravista.

Vejamos um desses casos: no dia 18 de maio de 1873 o juiz municipal de Canavieiras, capitão José de Oliveira Neves, solicitou a presença do escrivão Manoel Costa Baraúna em sua casa a fim de que fosse de imediato instaurado inquérito para proceder ao corpo de delito do escravo Lourenço, pertencente a D. Vitalina Rosa de Assis, devido ferimentos e contusões causados pelo policial Antonio Vitor de Sant’ Anna.

Na ocasião da perícia ficou constatado um ferimento ao “pé do ouvido esquerdo”, cortes na cabeça, e outro que saia da virilha e atravessava a espinha dorsal até a costela esquerda “tendo dez polegadas de cumprimento e um de largura”, além de contusões no pé esquerdo, nas costas, e várias escoriações por todo o corpo. Os peritos constataram que se o cativo não morresse acabaria ficando paralítico do lado esquerdo devido à gravidade dos ferimentos.

O escravo Lourenço possuía 40 anos, era solteiro, havia nascido em Canavieiras e trabalhava como ganhador, ou seja, era um escravo urbano que fazia pequenos serviços na área comercial da cidade, serviços esses que iam desde o desembarque de mercadorias no porto, a venda peixes, aguadeiro, entre outros. O que aconteceu com Lourenço ainda não sabemos, mas entendemos que a postura do agente da lei fora por si só arbitrária. Lamento por muitos aqui quererem acreditar, e mesmo “colonizar” socialmente as pessoas para pensarem que “... a escravidão negra em Canavieiras não foi das mais cruéis (...)”.

É muito abstrato inferir onde a escravidão foi ou não “mais cruel”, visto que somente pelo fato de alguém reduzir a outrem à condição servil já é degradante e desumano. Saliento também que o sistema escravista em Canavieiras, assim como em todo o sul da Bahia, não pode ser comparado à economia de plantationexistentes no eixo Rio-São Paulo, pois não é o quantitativo de escravizados que distingue uma região de outra, e sim a ausência ou não desse tipo de sociedade.

Corrobora com nossa afirmativa a brasilianista Mary Ann Mahony: “(...) a importância da escravidão para qualquer sociedade, não repousa apenas na quantidade de escravos que havia na cidade, no número de escravos por residência, no número de residências que possuíam escravos, ou no tipo de trabalho que eles realizavam. Repousa, também, na divisão da sociedade entre pessoas livres, libertos e escravos, e no desenvolvimento de uma hierarquia social e cultural, na qual os brancos descendentes de europeus são privilegiados, e os negros descendentes de africanos não o são.” (MAHONY, Mary ANN. Instrumentos Necessários: escravidão e posse de escravos no Sul da Bahia no século XIX, 1822-1889. Afro-Ásia, Salvador, n. 25-26, p. 95-139, 2001. p.137.).

Todavia, episódios de assassinatos, violência sexual, exposição ao ridículo com frases de tonalidades racistas, castigos excessivos, foi comum no Brasil, na Bahia, e em Canavieiras, mas não podemos naturalizar esse sistema de coerção que existiu legalmente em nosso país, é por essas e outras que não considero a antiga Princesinha do Sul como um modelo de uma “escravidão mais branda...”.

Como é sempre de bom tom retornarmos ao contexto inicial de nossa análise, saliento que os “não-ditos” resistem ao tempo. Aqui, como em toda região cacaueira, impera a cultura do esquecimento, há nomes não oficializados, mas que deveriam ser contemplados por serem mais representativos para população, enfim, sofremos de uma amnésia histórico-cultural, pois assim como Lourenço e sua história, a avenida da qual todos chamam Rua Treze, apesar de sua denominação popular ser (in)conscientemente combatida, representa ainda os rés-do-chão... Isso nos leva permitir a refletir para além do 13 de maio.

Fonte/Tabuonline

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